segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Sobre o tempo

Todos os dias, assim que acordo, abro os olhos bem devagarinho, com cuidado, como quem abre um presente, que é pra eu não me assustar quando eu perceber que a minha vida toda se passou e eu nem percebi. Me olhar no espelho e ver traços no meu rosto que eu não sei como foram parar ali, bem no canto dos meus olhos, no meio da testa, ao redor da boca. Descobrir o fio de cabelo branco que destoa da cabeleira preta. Olhar ao redor, ver a casa vazia. Vazia de tudo, vazia de amor, vazia de café da manhã, vazia de tardes de domingo com a família, vazia de filhos, vazia de cachorro, vazia de amigos. Vazia de você. Vazia.

Todos os dias, assim que acordo, abro os olhos bem devagarinho, olho pra o lado, te vejo, fecho os olhos, me belisco, abro os olhos e te vejo; só pra ter certeza de que você ainda está ali. Só pra ter certeza que você, as rugas, os filhos, as tardes, o amor, o cachorro, ainda irão vir.

Todos os dias, assim que acordo, abro os olhos bem devagarinho, com medo, torcendo para que a vida não tenha passado. Torcendo pra você ainda estar ali.

Todos os dias, assim que acordo, abro os olhos bem devagarinho.

Hoje pela manhã, encontrei meu primeiro fio de cabelo branco, a vida passa.